quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Ajuste fiscal doloroso – lado das receitas

Depois de ter registrado um déficit primário de 0,6% do PIB em 2014, o Governo se comprometeu a entregar um superávit de 1,2% do PIB em 2015. Portanto, é necessário gerar um esforço cuja magnitude representa 1,8% do PIB. Um desafio e tanto.

A opção pelo ajuste fiscal em curso é necessária, em função dos desmandos da condução da política econômica ao longo dos últimos anos, potencializados a partir de 2011. Essa adequação pode ser feita através de um aumento dos impostos, redução dos gastos ou por uma combinação de ambos (alternativa que está sendo posta em marcha atualmente).

Sobre esse tema, algumas importantes questões devem ser levadas em consideração. Em primeiro lugar, a nova equipe econômica não esperava que o resultado fiscal de 2014 fosse tão ruim, o que implica num esforço maior que o esperado para 2015. Pelo lado das despesas, destaca-se que as mudanças nas regras referentes às concessões de benefícios sociais ainda precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional. Além disso, vale ressaltar que os dispêndios de caráter obrigatório abocanham uma parcela muito maior do Orçamento frente aos discricionários, diminuindo a margem de manobra para possíveis contingenciamentos. O engessamento provocado por essa configuração será tema de um texto no futuro.

Por sua vez, a arrecadação também impõe um desafio relevante. O gráfico abaixo mostra a variação acumulada em 4 trimestres do PIB e da arrecadação de impostos por parte do governo federal. Há uma clara correlação positiva entre ambas as séries. Como se espera que a atividade econômica caia 0,5% em 2015, de acordo com último Boletim FOCUS do Banco Central, a arrecadação deverá registrar um resultado bastante ruim nesse ano, gerando a necessidade de cortes de gastos ainda maiores para atingir o objetivo proposto pelo Governo.

Arrecadação Federal (deflacionada pelo IPCA) e do PIB real
(Variação % acumulada em 4 trimestres)

Todos esses fatores corroboram com a tese de que não haverá o cumprimento da meta fiscal nesse ano.

Fonte: PIB - IBGE. (Série 1620 do SIDRA)
Arrecadação Federal - Ministério da Fazenda / Receita Federal (Consultar no IPEADATA).

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Taxa de Câmbio: Fundamentos Externos x Fundamentos Internos

O objetivo desse texto é compreender de que forma as mudanças da política monetária dos Estados Unidos afetam a taxa de câmbio.

A expansão monetária usada a partir da crise financeira internacional de 2007-2008 para recolocar a economia americana numa trajetória de crescimento sustentado não encontra precedentes na história. No entanto, diante dos sinais cada vez mais consistentes de recuperação da atividade econômica daquele País, o Federal Reserve (Banco Central dos EUA) vem diminuindo parte dos estímulos até então adotados, como a injeção mensal de dólares na economia para reduzir as taxas de juros de longo prazo e dos financiamentos imobiliários. A expectativa agora gira em torno do momento em que os juros de curto prazo (fed funds, equivalente a taxa SELIC no Brasil) subirão.

Convém lembrar que a relação entre moeda e juros é inversa. Intuitivamente, a elevação da primeira faz com que os agentes econômicos tenham mais recursos disponíveis para fazer a alocação em títulos da dívida. O aumento da demanda por esses papéis provoca um encarecimento dos seus preços (lei da oferta e da demanda). Portanto, um título mais caro é aquele que rende menos.

Os juros de longo prazo, medidos pelos títulos da dívida americana com vencimento em 10 anos, foram negociados no mercado em patamares historicamente baixos no pós-crise, refletindo exatamente a percepção dos agentes econômicos sobre o intuito do FED em dar suporte a recuperação da economia americana via política monetária expansionista.

O gráfico abaixo traça duas séries históricas: o retorno dos títulos da dívida do governo dos EUA com maturidade de 10 anos e a taxa de câmbio (em Reais por Dólares). Vale destacar que o incremento significativo dos juros, em maio de 2013, ocorreu muito antes do início da retirada, de fato, das estímulos (que só começou em dezembro daquele ano), exatamente quando o FED anunciou que estava estudando a possibilidade de diminuir o Quantitative Easing (ver texto). O mercado acabou precificando, com bastante antecedência, esse efeito.

Retorno dos Títulos da dívida do governo dos EUA de 10 anos e Taxa de Câmbio
(Em % a.a. e R$/US$)


Com o aumento dos juros, a economia americana se torna mais atrativa pare receber investimentos em relação a outros lugares do mundo. Os capitais, portanto, tendem a sair de outros países (incluindo o Brasil) e migrar para os EUA. A ampliação da procura por dólares (e diminuição da demanda por reais) gerou uma taxa de câmbio desvalorizada. Logo, naquela oportunidade, há uma evidência de que os fundamentos externos impactaram a cotação. A aderência entre as variáveis permaneceu relativamente boa até agosto do ano passado.

Todavia, a partir de setembro de 2014, a taxa de câmbio apresentou uma tendência de forte desvalorização e volatilidade, se descolando do movimento das taxas de juros dos EUA. Setembro e outubro passados foram marcados pelo acirramento da disputa na Presidência da República: pesquisas que apontavam o fortalecimento da então candidata Dilma Rousseff geravam desvalorização do câmbio, e vice-versa. Nos meses seguintes, questões como as indefinições em torno da equipe econômica, perspectivas de baixo crescimento e os escândalos de corrupção na Petrobrás causaram o enfraquecimento do Real perante o Dólar. Nesse segundo momento, consequentemente, as questões de ordem interna têm pesado mais sobre a taxa de câmbio.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A relação entre consumo e confiança dos consumidores

O consumo das famílias é o principal componente do PIB do Brasil. Em 2013, conforme os dados do IBGE, esse componente respondeu por 62,6% do total do produto. Compreender os elementos que influenciam os gastos das famílias se torna chave para avaliar a demanda agregada como um todo.

O gráfico abaixo mostra a variação acumulada em 4 trimestres do consumo e da confiança dos consumidores. As duas séries históricas apresentam uma correlação interessante. Aqui, temos mais um caso de um indicador coincidente, da mesma forma que o Índice do Medo do Desemprego (leia aqui). De uma maneira geral, consumidores mais confiantes tendem a desembolsar mais em bens e serviços e vice-versa.

Consumo das Famílias e Confiança dos Consumidores
(Variação % acumulada em 4 trimestres)

No entanto, é possível que mudanças na confiança estejam associadas ao próprio ciclo econômico. Por exemplo: em um período de recessão - momento atual vivido pela economia brasileira -, a própria desaceleração do nível de atividade acarreta numa redução do ritmo de contratações e num menor crescimento dos salários reais, impactando negativamente na confiança dos agentes.

Dito de outra forma, não é possível afirmar qual é a relação causal entre as duas variáveis, simplesmente pelo fato de existir uma correlação entre ambas.

Fonte: Consumo das famílias - IBGE (Tabela 1620 do SIDRA)
Confiança dos consumidores - OCDE (Link de acesso)

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Medo do desemprego é maior entre os brasileiros

A pesquisa "Medo do Desemprego" é uma sondagem de opinião da população brasileira conduzida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Cerca de 2.000 pessoas são entrevistadas em todo Brasil para responder o seguinte questionamento: "Com relação ao desemprego, pensando no(a) Sr.(a.) e nas pessoas de suas família, o(a) Sr.(a.) diria que está com muito, pouco ou não está com medo de ser afetado pelo desemprego?". Com base nas respostas, cria-se um índice com base na frequência relativa de cada uma das possíveis opções de resposta.

O ponto interessante é que a evolução desse indicador no tempo se mostra bastante semelhante em comparação com a própria taxa de desemprego. Aqui, temos um caso de um indicador coincidente: uma variável (ou conjunto de variáveis) que guarda uma correlação contemporânea com alguma outra que seja alvo de investigação. Segue o gráfico abaixo.

Medo do desemprego (eixo da esquerda) e taxa de desemprego (eixo da direita)
(Número-índice:média 2003 = 100 e %)

Chama a atenção o fato de que há, recentemente, um deslocamento entre as duas séries. Pelo Índice de Medo do Desemprego, a taxa de desemprego do último trimestre deveria ser próxima a 6,0%, maior que o percentual oficial divulgado pelo IBGE (4,8%). Um descasamento semelhante entre as duas séries ocorreu entre a partir do terceiro trimestre de 2004, sendo corrigido ao longo de um ano e meio.

Caso essa relação entre as variáveis continue se mantendo, devemos esperar um aumento da desocupação nos próximos meses.

Fonte: Taxa de desemprego (IBGE - Tabela 2176 do SIDRA)
Medo do Desemprego (CNI). Link http://www.portaldaindustria.com.br/cni/publicacoes-e-estatisticas/estatisticas/2015/01/1,41377/medo-do-desemprego-satisfacao-com-a-vida.html

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O governo brasileiro é Keynesiano? Só pela metade...

Um dos principais fatos estilizados em Economia diz respeito ao movimento cíclico do nível de atividade, verificável para países com características bastante distintas entre si. Como consequência, temos que uma das principais funções do Setor Público, preconizada nos manuais sobre o tema, diz respeito ao seu caráter estabilizador. Por um lado, quando há expansão do PIB acima da média, o Setor Público atua na contenção dos gastos – gerando assim uma poupança –, de modo a evitar um superaquecimento da economia e o desencadeamento de um processo inflacionário. Por outro, em períodos recessivos, a União, os estados e municípios devem incorrer em políticas fiscais expansionistas (aumento das despesas e/ou redução dos tributos advindas da poupança prévia) para estimular a demanda agregada. Essa era uma das principais bandeiras defendidas por John Maynard Keynes, no seu livro a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda.

Esse padrão é verificável no caso do Brasil? Os dados do gráfico abaixo mostram a demanda privada doméstica (soma do consumo das famílias com o investimento) e o consumo da administração pública, ambas corrigidas pela variação nos preços e com a mesma unidade de medida (variação % acumulada em quatro trimestres). Caso essa hipótese seja, de fato, verdadeira, devemos esperar, a priori, que as duas séries estejam se movendo em direções opostas, ou seja, que a correlação entre ambas seja negativa.

Consumo do governo (volume) e demanda privada doméstica (corrigida pelo IPCA)
(Variação % acumulada em 4 trimestres)

A análise dos dados mostra que, entre 1997 e 2002, isso ocorria na nossa economia. Contudo, a partir de 2003, as variáveis começam a caminhar na mesma direção, algo que se intensifica a partir de 2009, quando os efeitos da crise financeira internacional foram sentidos no Brasil. Há, portanto, uma evidência conflitante em relação às práticas entendidas como adequadas para a gestão dos recursos públicos desde o início do mandato do PT.

Com base nos dados, é possível afirmar que o governo brasileiro é Keynesiano, mas só pela metade.

Fontes: Consumo do governo - IBGE (Tabela 1620 do SIDRA); Consumo das famílias e investimento - IBGE (Tabela 1846 do SIDRA) e IPCA - IBGE (Tabela 1419 do SIDRA).

sábado, 7 de fevereiro de 2015

O descasamento entre oferta e demanda no Brasil

O modelo econômico posto em marcha pelo PT, desde sua ascensão ao poder em 2003, apresenta um traço característico evidente: as políticas foram direcionadas para o fortalecimento da demanda, em detrimento da oferta. Uma das principais foi a regra de reajuste do salário mínimo, que garantiu aumento real ao poder de compra da população.

Convém lembrar que esse paradigma econômico só conseguiu ser sustentável (gerando crescimento e inflação sob controle) até meados de 2011 porque todas as condições abaixo contribuíram para esse fim. São elas:

a) Manutenção da condução da política econômica adotada pelo governo FHC, catapultando os investimentos de residentes e não residentes.

b) Boom das commodities, que proporcionou um crescimento significativo através do setor externo (ver texto "Brasil: um País de Commodities").

c) Como conseqüência de b), houve valorização da taxa de câmbio real (real relativamente mais forte em comparação com o dólar), aumentando fortemente o poder de compra da moeda até 2011 e tornando o consumo de importados mais barato.

d) Existência de capacidade ociosa na economia, sobretudo de mão de obra.

e) Grande margem de manobra da política econômica: por exemplo, medidas expansionistas pelo lado monetário (queda da taxa de juros) e fiscal (redução de impostos e aumento dos gastos) foram usadas em 2009 para contrabalançar os efeitos da crise, sem que isso provocasse desajustes do ponto de vista macroeconômico.

f) Forte crescimento econômico mundial.

O governo insistiu na continuidade do modelo após 2011 e os vetores acima se esgotaram. Resultado: economia estagnada e alta inflação (estagflação). No gráfico abaixo, vemos a acentuação do descasamento entre oferta (produção industrial) e demanda (vendas do comércio) após a crise financeira internacional de 2008-09.

Produção industrial e Vendas do Comércio Ampliado do Brasil (ajustadas sazonalmente)
Índice de base fixa: jan/03 = 100


Esse descolamento foi possível graças a um forte aumento das importações, conforme o gráfico abaixo. Entre 2003 e 2014, o volume de importações (que leva em consideração somente a quantidade, e não o preço) cresceu 157,0%. 

Volume de importações do Brasil (Média móvel em 12 meses)
Índice de base fixa: jan/03 = 100


Sustentar o modelo via aumento das importações não é mais possível, dado o elevado déficit das Transações Correntes (ver texto "Qual o motivo do rombo das contas externas?"). A solução para esse problema, portanto, passa pela adoção de medidas que privilegiem o lado da oferta, diminuindo assim o chamado "Custo Brasil".

Fontes: Produção Industrial e Vendas do Comércio (IBGE) - SIDRA (séries de número 3653 e 3417).

Volume de Importação: FUNCEX. Série acessada via IPEADATA.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O que esperar do investimento nos próximos meses?

Indicadores antecedentes são variáveis capazes de gerar conteúdo informativo sobre o comportamento futuro de alguma outra variável de interesse. Em função dessa característica, tornam-se bastante úteis para a análise econômica. O objetivo desse texto é tentar antever a trajetória do investimento: elemento-chave para a dinâmica de crescimento de um determinado País.

Nesse caso, far-se-á uso do Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI), calculado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A escolha dessa variável se justifica pelo fato de que empresários mais confiantes em relação à situação presente e às expectativas futuras se tornam mais propensos a aumentar a capacidade produtiva de suas indústrias, e vice-versa. O gráfico abaixo mostra ambas as séries, no qual se faz uso de um artifício: os dados referentes às variações do ICEI foram adiantadas em um trimestre, gerando um padrão que se aproxima do investimento. Isso confirma o caráter antecedente da primeira em relação à segunda.

Índice de Confiança do Empresário Industrial (adiantado em um trimestre) e Formação Bruta de Capital
(Variação % acumulada em 4 trimestres)



A relação sugere que o investimento deve ter contraído ainda mais no último trimestre de 2014 e manterá a trajetória descendente entre janeiro e março desse ano. Chama a atenção o fato de que a formação bruta de capital fixo já apresenta queda de 4,6% no acumulado dos últimos quatro trimestres que se encerraram entre julho e setembro de 2014. Portanto, devemos esperar que esse importante vetor de crescimento mantenha-se fraco.

Fontes:
Índice de Confiança do Empresário Industrial - CNI. Série 7341 do SGS - BACEN.
Investimento (Formação Bruta de Capital Fixo). IBGE. Série 1620 do SIDRA/IBGE.