quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Seis inconsistências da última ata do COPOM



Depois da controversa decisão sobre a taxa de juros, o Comitê de Política Monetária (COPOM) divulgou a ata da última reunião, que reúne os argumentos econômicos que balizaram a manutenção da SELIC em 14,25% a.a.. O objetivo desse artigo é mostrar 6 pontos de inconsistência contidos nesse importante documento. Vamos a eles:


Ponto 1: Parágrafo 24

“..., o Comitê pondera que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade e não descarta a hipótese de migração para a zona de contenção, mesmo que de forma lenta e em menor intensidade em relação ao anteriormente projetado.”


Nesse trecho, o COPOM considera que os gastos públicos deixarão de exercer pressão de demanda sobre a inflação ao longo dos próximos meses. A expressão “zona de neutralidade” é marca registrada nas atas passadas já há algum tempo, mas nada justifica a sua presença. Isso porque é nítida a deterioração da situação fiscal do Brasil ao longo dos últimos anos. Conforme o gráfico abaixo, o resultado primário, ou seja, a poupança do governo para o pagamento dos juros da dívida piorou sistematicamente ao longo dos últimos anos, a despeito das deduções de gastos – com o PAC e o “Minha Casa, Minha Vida” – e das chamadas “pedaladas fiscais”.

Resultado primário do Setor Público Consolidado
(Em % do PIB)



Não só isso: o Banco Central afirma que é possível ocorrer uma mudança para a “zona de contenção”. Ora, as evidências não apontam nessa direção. Em primeiro lugar, sabe-se que a arrecadação de impostos é pró-cíclica, ou seja, cresce na medida em que o conjunto de bens e serviços produzidos pela economia aumenta e vice-versa. Em 2016, deveremos ter outra queda acentuada do PIB, tendência que deverá se repetir para as receitas do governo. Pelo lado dos gastos, 2015 foi pródigo em mostrar o quanto uma reforma abrangente é difícil, ainda mais diante do apoio diminuto do Congresso à Presidente. Além do mais, sabe-se que cerca de 90% dos dispêndios do governo são obrigatórios, ou seja, são passíveis de mudança somente a partir de alterações legais (ou até mesmo constitucionais em alguns casos).


Ponto 2: Parágrafo 24

Relativamente ao resultado fiscal estrutural e a depender do ciclo econômico...


O resultado fiscal estrutural mede a diferença entre as receitas e as despesas do governo, ponderada pelo ciclo econômico. Segundo esse conceito, em momentos de expansão do PIB, a poupança do governo deve ser maior, uma vez que a atividade econômica favorece a arrecadação de impostos e vice-versa. Porém, enquanto o Setor Público persegue uma meta de resultado primário, o Banco Central está avaliando outra variável bem diferente. Na visão do autor desse blog, a adoção da segunda métrica seria importante por parte do governo, mas isso faz parte de outra discussão. O ponto nevrálgico aqui envolve a análise do desempenho fiscal à luz da mesma ótica, impedindo assim possíveis distorções na análise.


Ponto 3: Parágrafo 27

Ao tempo em que reconhece que esses ajustes de preços relativos têm impactos diretos sobre a inflação, o Comitê reafirma sua visão de que a política monetária pode, deve e está contendo os efeitos de segunda ordem deles decorrentes.”


A política monetária não está contendo os “efeitos de segunda ordem”. Segundo esse texto, as expectativas de inflação seguem deteriorando a uma velocidade significativa.


Ponto 4: Parágrafo 28

Adicionalmente, as incertezas em relação ao cenário externo se ampliaram, com destaque para a crescente preocupação com o desempenho da economia chinesa e seus desdobramentos e com a evolução de preços no mercado de petróleo. (...) No entanto, a maioria dos membros do Copom considerou que a elevação das incertezas domésticas e, principalmente, externas, sobretudo mais recentemente, justifica continuar monitorando a evolução do cenário macroeconômico para, então, definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária.”


As turbulências na China causaram impactos sobre os mercados financeiros de todo o mundo. Todavia, não é de hoje que a economia chinesa está desacelerando, em linha com a mudança no perfil de crescimento do País. Convém ressaltar que a bolsa da China praticamente retornou ao nível antes da forte expansão vista entre 2014 e 2015, ou seja, existe um piso que será testado pelo mercado, e que pode tornar mais claro o escopo dessa turbulência. Com relação aos EUA, o dado do último trimestre de 2015 sobre o PIB veio mais fraco do que o esperado. No entanto, não há evidências que apontem para um desaquecimento mais intenso da economia americana: a taxa de crescimento em 2015 foi a mesma de 2014 (2,4%).


Ponto 5: Parágrafo 28

Para o Comitê, os efeitos conjugados desses elementos, o desenvolvimento nos âmbitos fiscal, parafiscal e no mercado de ativos e, em 2016, a dinâmica dos preços administrados são fatores importantes do contexto em que decisões futuras de política monetária serão tomadas, com vistas a assegurar a convergência da inflação para a meta de 4,5% estabelecida pelo CMN, em 2017.


O Decreto 3.088/99, responsável pelo estabelecimento do Regime de Metas para a Inflação, em seu Artigo 1º, §1º, é bastante claro: “as metas são representadas por variações anuais de índices de preços de ampla divulgação” (grifo meu). Ou seja, esse direcionamento por parte da autoridade monetária infringe o decreto, uma vez que as decisões sobre os juros devem levar em consideração o objetivo estabelecido não só para os anos subsequentes, mas também para o corrente.


Ponto 6: Não há qualquer menção sobre o efeito da indexação e, consequentemente, da contaminação do IPCA pelo efeito da inércia inflacionária.


Como a inflação medida pelo IPCA foi extremamente alta em 2015 (10,7%), a inércia contribuirá de maneira relevante para manter o índice em patamares muito altos. Quanto maior a leniência da política monetária em conter seus efeitos, maior a sua duração. Por conseguinte, maior é o custo por parte do Banco Central (em termos de aumento dos juros) para recolocar a inflação no centro da meta.


Em suma, esse texto procurou mostrar os problemas na forma como o Banco Central expôs seus argumentos para justificar a manutenção dos juros.

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