terça-feira, 7 de junho de 2016

O que explica a perda de participação dos produtos manufaturados na pauta de exportação brasileira?



O comércio exterior é um importante vetor de crescimento e de aumento da produtividade para vários países. Várias nações consideradas pobres até a metade do século passado, como o caso de Taiwan, Hong Kong, Coréia do Sul, Japão, entre outras, conseguiram, em conjunto com outras reformas, obter importantes avanços econômicos ao promover transações de bens, serviços e rendas com o exterior.


No caso do Brasil, sua estrutura produtiva é bastante dependente do mercado interno. Mesmo com um dos menores graus de abertura do mundo¹, o exame da dinâmica das exportações de produtos manufaturados nacionais ao longo dos últimos anos é fundamental. Essa discussão se torna ainda mais relevante em função dos sinais de esgotamento do nosso atual modelo de crescimento e do papel que o setor externo pode desempenhar na geração sustentada de renda.


Ao longo da década passada, o comércio exterior do Brasil passou por transformações profundas. Em 2003, por exemplo, a participação dos produtos manufaturados no total da pauta exportadora, que chegava a 54,4%, atingiu 35,6% em 2014. Um dos motivos que gerou essa mudança foi a forte demanda da China por commodities, necessárias para sustentar suas elevadas taxas de crescimento econômico até 2011. O efeito resultante desse fenômeno provocou aumento considerável na cotação internacional dessas mercadorias, elevando a fatia dos produtos básicos no total embarcado. Ao longo dos últimos meses, essa proporção registrou uma tímida recuperação.


Outro evento de fundamental importância ocorrido na década passada foi a crise financeira internacional de 2008, que levou a uma alteração estrutural das exportações brasileiras. A turbulência internacional gerou significativa redução da demanda externa por produtos nacionais: a taxa de crescimento média das importações mundiais passou de 12,1% a.a. entre 2000 e 2008 para 2,3% a.a. entre 2009-2014 –. O fim da chamada "Grande Moderação", portanto, transformou o padrão de crescimento global, dado que os países se voltaram para o mercado interno, a partir do recrudescimento de medidas protecionistas. Essa tendência, no entanto, está sendo parcialmente revertida, a partir do estabelecimento de mega-acordos comerciais entre importantes países.


Importações mundiais em US$

(variação percentual acumulada em 12 meses)


Fonte: OMC



Em 2011, as exportações totais brasileiras alcançaram US$ 256 bilhões, de acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio (MDIC). Desde então, apresentaram clara trajetória descendente, totalizando apenas US$ 191,1 bilhões no passado (queda de 25,3%). No caso dos produtos manufaturados, o pico ocorreu em 2008 (US$ 92,7 bilhões) e, em 2015, esse conjunto somou apenas US$ 74,1 bilhões (retração de 20,0% desde então). Com esse pano de fundo, o objetivo desse artigo é entender quais são os motivos que têm impedido o crescimento das exportações brasileiras dessa classe de mercadorias, contribuindo para o debate sobre o tema na literatura especializada e para o direcionamento de políticas públicas.


Um dos principais fatores que afetam a competitividade das exportações diz respeito à taxa de câmbio. Teoricamente, uma desvalorização favorece o segmento manufatureiro, pois, dado que a receita em reais das vendas externas se eleva, é possível para o produtor negociar um preço mais atrativo em dólares com o comprador. Todavia, a despeito da depreciação ocorrida ao longo dos últimos anos (119,4% entre maio de 2011 e maio de 2016), não houve uma contrapartida positiva sobre os embarques brasileiros. A evolução recente da taxa de câmbio, portanto, se mostra insuficiente para explicar o porquê as mercadorias de maior valor agregado vêm perdendo espaço na nossa pauta exportadora.


Uma das formas de avaliar esse problema com maior acurácia é através da relação câmbio-salário – indicador calculado mensalmente pelo Banco Central do Brasil. Essa variável procura capturar a magnitude dos custos de produção relacionados ao fator trabalho em dólares, ou seja, é uma medida da competitividade do produto brasileiro no mercado internacional. Quanto mais baixo o índice, maior o poder de compra dos salários, o que significa menor capacidade de concorrência do produto nacional no exterior, e vice-versa.


Da mesma forma, a autoridade monetária brasileira também calcula a relação câmbio-salário corrigida pela produtividade. A boa teoria econômica aponta que uma elevação do custo do trabalho, desde que acompanhada por um incremento da produtividade, não tende pressionar os custos para a fabricação de de mercadorias. Nesse sentido, o indicador também é sensível à quantidade de produto gerada por unidade de trabalho. Por exemplo: mesmo que a remuneração do fator trabalho aumente, o indicador não sofrerá alteração, desde que a produtividade se eleve na mesma magnitude. Por incorporar esse importante conceito no seu cálculo, optou-se por utilizar essa última medida no presente estudo.


O gráfico mostra a relação câmbio-salário corrigida pela produtividade e a participação dos produtos manufaturados na pauta de exportação brasileira desde 2004, ambos com as suas respectivas médias móveis em 12 meses para suavizar as séries. Há uma correlação positiva entre ambas de 0,772. Isso significa que reduções na primeira tendem a ser acompanhadas, na média, por quedas na segunda, e vice-versa.


Indicador câmbio-salário corrigido pela produtividade e participação dos produtos manufaturados na pauta de exportação do BR

(Em % - média móvel em 12 meses)


Fonte: BCB e MDIC/SECEX


Entre abril de 2011 e de 2016, a melhora do indicador foi de apenas 41,2%, ou seja, muito menos substancial do que a desvalorização da taxa de câmbio no mesmo período. Além disso, convém ressaltar que, desde 2014, mesmo com a melhora do índice, os manufaturados continuaram perdendo participação na pauta. Uma hipótese capaz de explicar esse fenômeno está ligada ao fato de que uma parcela considerável da desvalorização ocorreu recentemente. Nesse caso, o repasse sobre as exportações apresenta uma defasagem temporal, o que estaria de acordo com a "Curva J"².


Essa medida de competitividade das exportações de manufaturados também apresenta uma importante correlação com a perda de participação da indústria de transformação brasileira no valor adicionado bruto (VAB) ao longo dos últimos anos, conforme o gráfico abaixo.


Indicador câmbio-salário corrigido pela produtividade e participação da indústria de transformação brasileira no PIB

(Em % - média móvel em 4 trimestres)


Fonte: BCB e MDIC/SECEX


Diante do exposto, algumas recomendações de política para aumentar a competitividade das exportações de produtos manufaturados são:


* Rever a atual regra de reajuste do salário mínimo nacional: a legislação que concede o valor da inflação (INPC) do ano anterior ao de referência mais o PIB de dois anos atrás não permite, na prática, que a remuneração do fator trabalho sofra perdas reais (já descontadas a inflação), que reflitam as variações na produtividade. Essa rigidez acaba pressionando os custos de produção do segmento exportador. Cabe lembrar também que o PIB não é uma medida de produtividade: ao longo dos últimos anos, a maior parte do crescimento brasileiro foi gerado porque mais pessoas foram incorporadas ao mercado de trabalho.


* Manter a inflação sob controle: o crescimento persistente do nível geral de preços diminui a competitividade da oferta, uma vez que os insumos necessários para a produção ficam mais caros em relação aos concorrentes internacionais. Nesse sentido, é necessário que o Banco Central se comprometa, de maneira crível, em perseguir a meta para o IPCA. Ademais, o Setor Público deve contribuir para esse fim, adotando políticas fiscais adequadas.


* Reformas estruturais: outra maneira de conter o crescimento dos custos é através de um conjunto abrangente de medidas que melhorem o ambiente de negócios no Brasil. Além de reduzir a burocracia, são necessários investimentos em logística, educação, simplificação tributária e redução da carga de impostos, além de acordos comerciais bilaterais com mercados relevantes.


Manter a taxa de câmbio artificialmente desvalorizada poderia causar efeitos indesejáveis do ponto de vista econômico. Uma das principais seria uma inflação persistentemente pressionada (em função do encarecimento dos produtos importados). Isso tornaria os insumos para a produção mais caros e compensaria (ainda que parcialmente) os efeitos benéficos sobre a exportação.


Em suma, a desvalorização da taxa de câmbio ao longo dos últimos anos não foi suficiente para dar maior competitividade para as exportações de produtos manufaturados. Isso ocorreu porque a combinação entre custos mais elevados relacionados à mão de obra e menor produtividade do trabalho compensou grande parte do ganho advindo da perda do poder de compra do real em relação ao dólar.


As medidas necessárias para dar maior competitividade ao setor exportador de manufaturas são urgentes. Muitas delas, no entanto, apresentam um enorme custo do ponto de vista político para a sua implementação. Sem progressos nesse sentido, é improvável obter crescimento sustentável das vendas externas.


[1] O grau de abertura, medido pela soma das exportações com as importações e ponderada pelo tamanho do Produto Interno Bruto (em dólares), foi de 19,7% para o Brasil em 2014, de acordo com os dados da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). No ranking internacional, para um total de 184 países, somos o terceiro país mais fechado ao comércio no mundo, somente atrás do Sudão (18,4%) e África Central (19,3%).
[2] Para maiores detalhes, ver Krugman & Obstfeld (International Economics: theory and practice, 2004).

Fontes: Relação câmbio-salário (Série 11776 do SGS-BACEN).
Exportações: MDIC/SECES (Disponível no IPEADATA).
PIB da indústria e VAB (IBGE - Série 1846 do SIDRA).

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