sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

A gravidade da situação fiscal do Brasil e a nova estimativa para o superávit sustentável



No mês de Janeiro de 2015, escrevi que o Brasil era o campeão mundial de insustentabilidade fiscal. Ou seja, a economia necessária por parte do Setor Público para estabilizar o nível de endividamento era a maior entre 40 dos principais países do mundo. Agora, depois de mais de um ano, refaço esse exercício a partir das estatísticas mais recentes. A metodologia segue a mesma e o seu detalhamento pode ser encontrado nesse link.


Três variáveis são usadas para o cômputo do superávit sustentável. Os juros reais - taxa SELIC descontada da inflação projetada para os próximos 12 meses - aumentaram um ponto percentual, de 5,4% para 6,4% ao ano (dados da Moneyou, referentes ao último janeiro). Por sua vez, a relação dívida/PIB cresceu de 62,6% em 2014 para 72,5% em 2015, de acordo com o Banco Central. Ademais, o Brasil mergulhou numa profunda recessão: o PIB passou de +0,1% em 2014 para -3,8% no ano passado (última estimativa do Relatório FOCUS, do Banco Central).


Em função da significativa deterioração de todos os indicadores, o superávit primário sustentável brasileiro passou de 3,5% para 8,0% do PIB. Trata-se de um valor muito superior a outros países, incluindo a Grécia (3,8%), conforme os dados abaixo. Supondo que o PIB nacional de 2015 encerre o ano totalizando R$ 6 trilhões, isso representaria cerca de R$ 480 bilhões: montante dezesseis vezes maior do que o anunciado como o objetivo a ser perseguido pelo governo em 2016, de 0,5% do PIB (apenas R$ 30 bilhões). Convém lembrar, ainda, que a Junta Orçamentária - composta por Fazenda, Planejamento e Casa Civil - está avaliando se permite uma flexibilização dessa meta, estabelecendo uma banda para flutuação que autorize a geração de um déficit de 1,0% do PIB.



Ao longo de 2016, portanto, as evidências sugerem que o nível do endividamento brasileiro como proporção do tamanho do PIB continuará aumentando muito. Tal fato tem importantes consequências sobre a classificação da dívida soberana e as taxas de juros, além de outras importantes variáveis macroeconômicas. Em suma, nossa situação fiscal é desesperadora.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Quais os motivos da diminuição dos depósitos na poupança e os seus efeitos sobre a economia?



O noticiário econômico tem dado grande ênfase à movimentação das cadernetas de poupança do Brasil. Ao longo dos últimos meses, as retiradas superaram – e muito – os novos depósitos, gerando diferenças de magnitude recorde entre ambas. Os dados do Banco Central mostram que a captação líquida em 2015 foi negativa em R$ 53,6 bilhões. O segundo resultado mais baixo (lembrando que esses valores foram corrigidos pelo IPCA) ocorreu em 1999: - R$ 24,8 bilhões, ou seja, menos da metade.

Captação Líquida da Poupança 
(Valores deflacionados pelo IPCA acumulado até dez/15)
À luz das estatísticas, o objetivo do presente artigo é explicar a dinâmica da poupança em 2015, além das implicações que esse objeto de análise exerce sobre o restante da economia.

A poupança ainda é um instrumento muito utilizado pela população brasileira para guardar eventuais sobras de receitas em relação às despesas, ainda que outros instrumentos financeiros tenham ganhado força ao longo dos últimos anos. Nesse sentido, há pelo menos duas razões que justificam o número mais baixo da série histórica das captações líquidas em 2015.

1) Fraqueza do nível de atividade

A atual crise econômica gerou aumento da taxa de desemprego, com repercussões negativas sobre os salários. Destarte, os recursos são utilizados para complementar a renda da família e evitar uma perda ainda maior de bem-estar.

2) Conjugação entre alta taxa de juros e elevada inflação


A remuneração da poupança é fixa em 0,5% ao mês, mais a Taxa Referencial (TR), nos casos em que a SELIC é maior que 8,5% a.a.. Ano passado, enquanto a caderneta rendeu 8,75%, a inflação, medida pelo IPCA, alcançou 10,7%. Ou seja, houve perda para os depositantes em termos reais, dado que o poder de compra da aplicação tornou-se menor. Diante desse cenário, os investidores têm migrado, em quantidade cada vez maior, para outras modalidades que se beneficiam da elevada taxa de juros (atualmente em 14,25% a.a.) e do aumento do nível geral de preços. As mais comuns envolvem os títulos da dívida do governo e as LCI’s/LCA’s.


É necessário ressaltar que o movimento da poupança em 2015 apresenta importantes desdobramentos sobre a economia. Em primeiro lugar, existe uma imposição legal que obriga os bancos comerciais a utilizar 65% do total dos depósitos para o crédito imobiliário. Na medida em que esse montante diminui, a taxa de juros dos financiamentos tende a ser maior pelo lado da demanda. Por conseguinte, há menos incentivo para que novos ofertantes ingressem no mercado, limitando o crescimento dos novos empreendimentos e o desenvolvimento de um dos subsetores mais importantes da Construção Civil.

Outra parte dos depósitos da poupança é utilizada para o crédito rural. As linhas de financiamento com esse fim servem para cobrir despesas inerentes ao ciclo de produção e de comercialização, bem como para a aquisição de capital. A escassez também é preocupante, uma vez que o setor primário é o que apresenta o maior dinamismo no Brasil.

Em suma, a diminuição da captação líquida da poupança tende a retroalimentar ainda mais a crise, repercutindo sobre a Construção Civil e o Agronegócio.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Seis inconsistências da última ata do COPOM



Depois da controversa decisão sobre a taxa de juros, o Comitê de Política Monetária (COPOM) divulgou a ata da última reunião, que reúne os argumentos econômicos que balizaram a manutenção da SELIC em 14,25% a.a.. O objetivo desse artigo é mostrar 6 pontos de inconsistência contidos nesse importante documento. Vamos a eles:


Ponto 1: Parágrafo 24

“..., o Comitê pondera que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade e não descarta a hipótese de migração para a zona de contenção, mesmo que de forma lenta e em menor intensidade em relação ao anteriormente projetado.”


Nesse trecho, o COPOM considera que os gastos públicos deixarão de exercer pressão de demanda sobre a inflação ao longo dos próximos meses. A expressão “zona de neutralidade” é marca registrada nas atas passadas já há algum tempo, mas nada justifica a sua presença. Isso porque é nítida a deterioração da situação fiscal do Brasil ao longo dos últimos anos. Conforme o gráfico abaixo, o resultado primário, ou seja, a poupança do governo para o pagamento dos juros da dívida piorou sistematicamente ao longo dos últimos anos, a despeito das deduções de gastos – com o PAC e o “Minha Casa, Minha Vida” – e das chamadas “pedaladas fiscais”.

Resultado primário do Setor Público Consolidado
(Em % do PIB)



Não só isso: o Banco Central afirma que é possível ocorrer uma mudança para a “zona de contenção”. Ora, as evidências não apontam nessa direção. Em primeiro lugar, sabe-se que a arrecadação de impostos é pró-cíclica, ou seja, cresce na medida em que o conjunto de bens e serviços produzidos pela economia aumenta e vice-versa. Em 2016, deveremos ter outra queda acentuada do PIB, tendência que deverá se repetir para as receitas do governo. Pelo lado dos gastos, 2015 foi pródigo em mostrar o quanto uma reforma abrangente é difícil, ainda mais diante do apoio diminuto do Congresso à Presidente. Além do mais, sabe-se que cerca de 90% dos dispêndios do governo são obrigatórios, ou seja, são passíveis de mudança somente a partir de alterações legais (ou até mesmo constitucionais em alguns casos).


Ponto 2: Parágrafo 24

Relativamente ao resultado fiscal estrutural e a depender do ciclo econômico...


O resultado fiscal estrutural mede a diferença entre as receitas e as despesas do governo, ponderada pelo ciclo econômico. Segundo esse conceito, em momentos de expansão do PIB, a poupança do governo deve ser maior, uma vez que a atividade econômica favorece a arrecadação de impostos e vice-versa. Porém, enquanto o Setor Público persegue uma meta de resultado primário, o Banco Central está avaliando outra variável bem diferente. Na visão do autor desse blog, a adoção da segunda métrica seria importante por parte do governo, mas isso faz parte de outra discussão. O ponto nevrálgico aqui envolve a análise do desempenho fiscal à luz da mesma ótica, impedindo assim possíveis distorções na análise.


Ponto 3: Parágrafo 27

Ao tempo em que reconhece que esses ajustes de preços relativos têm impactos diretos sobre a inflação, o Comitê reafirma sua visão de que a política monetária pode, deve e está contendo os efeitos de segunda ordem deles decorrentes.”


A política monetária não está contendo os “efeitos de segunda ordem”. Segundo esse texto, as expectativas de inflação seguem deteriorando a uma velocidade significativa.


Ponto 4: Parágrafo 28

Adicionalmente, as incertezas em relação ao cenário externo se ampliaram, com destaque para a crescente preocupação com o desempenho da economia chinesa e seus desdobramentos e com a evolução de preços no mercado de petróleo. (...) No entanto, a maioria dos membros do Copom considerou que a elevação das incertezas domésticas e, principalmente, externas, sobretudo mais recentemente, justifica continuar monitorando a evolução do cenário macroeconômico para, então, definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária.”


As turbulências na China causaram impactos sobre os mercados financeiros de todo o mundo. Todavia, não é de hoje que a economia chinesa está desacelerando, em linha com a mudança no perfil de crescimento do País. Convém ressaltar que a bolsa da China praticamente retornou ao nível antes da forte expansão vista entre 2014 e 2015, ou seja, existe um piso que será testado pelo mercado, e que pode tornar mais claro o escopo dessa turbulência. Com relação aos EUA, o dado do último trimestre de 2015 sobre o PIB veio mais fraco do que o esperado. No entanto, não há evidências que apontem para um desaquecimento mais intenso da economia americana: a taxa de crescimento em 2015 foi a mesma de 2014 (2,4%).


Ponto 5: Parágrafo 28

Para o Comitê, os efeitos conjugados desses elementos, o desenvolvimento nos âmbitos fiscal, parafiscal e no mercado de ativos e, em 2016, a dinâmica dos preços administrados são fatores importantes do contexto em que decisões futuras de política monetária serão tomadas, com vistas a assegurar a convergência da inflação para a meta de 4,5% estabelecida pelo CMN, em 2017.


O Decreto 3.088/99, responsável pelo estabelecimento do Regime de Metas para a Inflação, em seu Artigo 1º, §1º, é bastante claro: “as metas são representadas por variações anuais de índices de preços de ampla divulgação” (grifo meu). Ou seja, esse direcionamento por parte da autoridade monetária infringe o decreto, uma vez que as decisões sobre os juros devem levar em consideração o objetivo estabelecido não só para os anos subsequentes, mas também para o corrente.


Ponto 6: Não há qualquer menção sobre o efeito da indexação e, consequentemente, da contaminação do IPCA pelo efeito da inércia inflacionária.


Como a inflação medida pelo IPCA foi extremamente alta em 2015 (10,7%), a inércia contribuirá de maneira relevante para manter o índice em patamares muito altos. Quanto maior a leniência da política monetária em conter seus efeitos, maior a sua duração. Por conseguinte, maior é o custo por parte do Banco Central (em termos de aumento dos juros) para recolocar a inflação no centro da meta.


Em suma, esse texto procurou mostrar os problemas na forma como o Banco Central expôs seus argumentos para justificar a manutenção dos juros.