terça-feira, 29 de março de 2016

A proposta dos depósitos remunerados é benéfica para a economia brasileira?



O Banco Central desempenha papel essencial para o bom funcionamento das economias de mercado, mediante condução adequada da política monetária. Entre os muitos instrumentos disponíveis para alcançar o principal objetivo da instituição – manter a estabilidade do poder de compra da moeda – estão as operações compromissadas e permanentes, que viabilizam as operações de mercado aberto.


Antes de avançarmos, é importante detalhar os conceitos supracitados. As operações de mercado aberto são utilizadas para regular a quantidade de moeda em circulação na economia e a taxa de juros vigente no País. Se o objetivo do governo é de enxugar a liquidez, o governo vende títulos da dívida que constam na sua carteira para o mercado, retendo esse excesso de moeda. Isso constitui uma política monetária contracionista. Caso a finalidade seja de elevar a liquidez, o governo compra títulos em circulação do mercado, injetando moeda na economia. Nesse caso, temos uma política monetária expansionista. O BC pode afetar a quantidade de dinheiro temporariamente (operações compromissadas) ou definitivamente (operações permanentes).


Aqui, cabe uma importante observação: a autoridade monetária brasileira está proibida de emitir títulos de sua responsabilidade desde maio de 2002, conforme estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal. Desde então, o BC utiliza títulos emitidos pelo Tesouro Nacional para realizar as operações de mercado aberto, que nada mais representam do que a contração de dívida junto ao mercado. Portanto, parte do endividamento brasileiro viabiliza importante componente da política monetária.


Antes de entrarmos na discussão sobre os depósitos remunerados, convém lembrar que as operações compromissadas aumentaram muito ao longo dos últimos anos. É possível atestar, também, que essas guardam uma correlação bastante interessante com as reservas internacionais brasileiras, conforme o gráfico abaixo. O processo de acumulação de divisas por parte do Banco Central envolve, em um primeiro momento, a compra de dólares e a venda de reais. Isso, por si só, seria suficiente para alcançar esse propósito. No entanto, esse dinheiro em circulação na economia provocaria um aumento da inflação. Para evitar isso, o BC retira esse excesso de moeda, numa operação chamada de “esterilização”, através da venda de títulos da dívida da sua carteira.

Operações compromissadas e reservas internacionais
(Em R$ nominais e US$ nominais)
 
O objetivo do governo a partir da instauração dos depósitos remunerados junto ao Banco Central é de recompensar (mediante uma taxa de juros) as aplicações voluntárias das instituições financeiras para controlar a liquidez da economia. Consequentemente, não haveria necessidade de recorrer ao Tesouro Nacional para alcançar esse fim, ou seja, não haveria majoração do endividamento. Nesse cenário hipotético, taxas elevadas de juros gerariam incentivos para depositar recursos junto ao BC (menos liquidez no mercado), enquanto taxas baixas estimulariam operações de crédito por parte dos bancos. Os dados mostram que o estoque de operações compromissadas alcançou R$ 1,01 trilhão em dezembro de 2015, equivalente a 17% do PIB brasileiro. Destarte, se os todos as operações compromissadas fossem substituídas pelos depósitos remunerados, haveria uma redução de 17 pontos percentuais da dívida como proporção do PIB. 


O governo argumentou que esse formato já é adotado em países como os Estados Unidos e também na Zona do Euro. Todavia, a proposta do governo não foi clara, e pode gerar ainda mais problemas para o futuro. Em primeiro lugar, o governo não detalhou qual será a lógica usada para remunerar esses depósitos, sendo esse um ponto nevrálgico. Convém lembrar que se a taxa de juros for mais baixa que a SELIC, não haverá nenhuma atratividade por parte das instituições financeiras, o que significa que o instrumento perde efeito. Se, por outro lado, a taxa praticada for mais elevada que a SELIC (algo que provavelmente iria ocorrer, uma vez que não há lastro nos títulos públicos como as operações compromissadas), o Banco Central certamente incorrerá em prejuízos que precisarão ser cobertos por novas emissões de dívidas no futuro. Dito de outra forma, na medida em que os juros dos depósitos precisarão ser pagos, isso aumentaria ainda mais o déficit nominal do Setor Público e, por conseguinte, o endividamento necessário para cobrir esse rombo. Em suma, o alívio de curto prazo sobre a dívida poderá ser trocado por uma situação ainda pior a médio e longo prazo.

Fonte dos dados: Banco Central
Reservas Internacionais - Conceito Liquidez - Série 3546 do SGS 

terça-feira, 22 de março de 2016

Por que usar as reservas internacionais é uma má ideia?



Notícias recentes dão conta de que o governo estuda adotar medidas para tirar o Brasil da crise econômica. Uma delas envolve utilizar as reservas internacionais, hoje em US$ 359,3 bilhões (pelo conceito liquidez), para abater a dívida pública, ou até mesmo financiar projetos de investimento para estimular o crescimento.


O objetivo desse artigo é mostrar a inocuidade dessa medida e seus riscos para a economia.


A lógica governamental envolve aproveitar a valorização das reservas internacionais ao longo do último ano para alcançar os objetivos supracitados. Conforme o relatório mais recente de administração das reservas do Banco Central, 84% desse montante está em dólar. Vale ressaltar que a moeda americana, em 2015, ganhou mais de 40% de poder de compra em relação ao Real.


Entretanto, a diminuição das reservas causaria uma elevação da dívida externa líquida, ou seja, das obrigações contraídas em moeda estrangeira, descontando os ativos brasileiros no exterior. Consequentemente, haveria piora dos indicadores de solvência externa da economia, ou seja, da capacidade brasileira em honrar compromissos com agentes estrangeiros. Convém lembrar que o colchão de segurança, possibilitado pelo acúmulo das reservas a partir de 2003, foi justamente um dos elementos que evitou o agravamento da crise financeira internacional de 2008.


A partir da deterioração dessas variáveis, a economia tende a se tornar mais instável, em função do incremento do Risco-País. Essa variável atingiria níveis mais altos porque os benefícios – abatimento da dívida pública ou maior investimento – não seriam interpretados pelo mercado como uma mudança benéfica estrutural, mas como um simples impulso artificial, com efeitos de curto prazo. Conforme visto nesse artigo, a piora nesse índice deve levar a uma desvalorização da taxa de câmbio. Por conseguinte, o custo para endividar-se no exterior aumentaria, trazendo impactos tanto para o governo, quanto para as empresas.


A depreciação cambial, ainda que incentive as exportações e freie as importações, não seria benévola para a economia do ponto de vista do crescimento. Isso porque eventuais ganhos de competividade dos produtos nacionais no exterior acabam sendo anulados pelos custos de produção mais altos, decorrentes do avanço da inflação: a perda do poder de compra do Real em relação ao Dólar torna os importados mais caros, pressionando os índices de preços. Ademais, se o montante for alocado em despesas (e não em poupança) haverá nova pressão sobre a inflação, dessa vez sobre a demanda. 

Portanto, o uso das reservas internacionais causaria desequilíbrios ainda mais profundos sobre a economia brasileira, que já se encontra muito combalida.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Transformações do mercado de trabalho brasileiro: um simples exercício

A crise econômica tem gerado transformações significativas no mercado de trabalho brasileiro. Em artigo publicado em julho de 2015, constatou-se que a geração de emprego é fortemente correlacionada com o nível de atividade. Já a taxa de desemprego, por sua vez, apresentou comportamento peculiar ao longo dos últimos anos: entre 2011 e 2014, nem mesmo a significativa desaceleração na criação de postos de trabalho foi suficiente para impedir sua queda. No entanto, a partir de 2015, a destruição de vagas se acentuou, repercutindo negativamente sobre a taxa de desocupação.

O objetivo do presente artigo é entender de que forma o mercado de trabalho reage diante de situações de estresse como a que estamos vivendo hoje.

Convém lembrar que a taxa de participação pode ser definida como a razão entre a População Economicamente Ativa (PEA, ou seja, a soma dos empregados e desempregados) e a População em Idade Ativa - cidadãos com 10 anos ou mais, ou seja, que estão aptos para exercer atividades laborais -. A análise da série histórica, com base nos dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, merece duas observações: (1) a taxa de participação alcançou o menor nível para os meses de janeiro e (2) ao longo da maior parte do tempo, a variável manteve-se estável ao redor de 57,0%.

Somente em dois períodos os valores da taxa de participação destoam dessa referência: 2002 e 2015. Em relação ao primeiro, vale lembrar que a economia apresentou forte deterioração, em função dos temores com relação à possibilidade da eleição de Lula. em 2015, a economia entra em depressão com forte inflação. Diante desse quadro, aliado também às mudanças nas regras para a obtenção do Seguro Desemprego e à falta de perspectiva de uma retomada, houve forte ajustamento no mercado de trabalho.

O exercício proposto envolve recalcular a taxa de desemprego (definida como a população desocupada em relação à PEA), considerando a situação hipotética de manutenção da taxa de participação em 57,0% ao longo de toda a série histórica. Essa, portanto, seria a taxa de participação de “equilíbrio”, capaz de expressar condições "normais" relativas à participação da população no mercado de trabalho. A diferença entre o número de pessoas representado pelo valor efetivo da PEA e o simulado é utilizada para corrigir o pessoal desempregado. 

Quando a PEA é maior do que o benchmark, ou seja, quando a diferença entre ambas é positiva, caracteriza-se uma situação em que as condições do mercado de trabalho mostraram-se realmente favoráveis, de tal sorte que havia incentivos para o aumento da oferta de mão de obra. Nesse caso, a taxa de desemprego simulada é mais baixa que a efetiva. Se, por outro lado, a diferença entre ambas é negativa, os trabalhadores deixaram de ofertar trabalho, numa sinalização de piora das condições econômicas. Portanto, se fizessem parte da PEA, estariam desempregados, o que elevaria ainda mais a taxa de desemprego. Os resultados estão dispostos no gráfico abaixo:

Taxa de desemprego efetiva e simulada do Brasil (PEA fixa em 57,0%)
(Em % no mês)

Em suma, o movimento de abandono do mercado de trabalho evitou que a taxa de desemprego crescesse ainda mais.  Por exemplo: se a taxa de participação fosse de 57,0% (e não de 54,8% em janeiro passado), o desemprego seria de 11,1%. Essa diferença equivale a, praticamente, um milhão de desempregados a mais.

domingo, 6 de março de 2016

O efeito da queda dos preços sobre as exportações brasileiras em 2015

Este blog procurou demonstrar, em artigo escrito em julho de 2015, os motivos pelos quais as exportações brasileiras não avançaram no ano passado, a despeito da forte desvalorização da taxa de câmbio nominal (41,6%). Isso porque, em tese, o Real mais fraco em comparação com o Dólar auxilia no crescimento das vendas externas. Naquela oportunidade, a redução dos preços foi apontada como uma das causas principais. O presente artigo se propõe a quantificar esse efeito através de um simples exercício.

É importante ressaltar que os preços das commodities apresentaram forte redução em 2015, em linha com a desaceleração econômica da China – e da expectativa de que seu crescimento seja menor no futuro em relação ao que era esperado –. Isso, por sua vez, puxou os preços de outras mercadorias para baixo, como dos Alimentos, dos Derivados de Petróleo, dos Químicos e de outros setores que as utilizam como insumos para a produção.

O valor, por definição, é resultado da multiplicação entre preços e quantidades. Como a Fundação Centro de Estudos em Comércio Exterior (FUNCEX) disponibiliza a série histórica das variações de ambas, é possível analisar as influências de cada uma delas separadamente. Para fins de exercício, optou-se por utilizar a média do preço das exportações verificado em 2014 como parâmetro para todos os meses de 2015. Destarte, as vendas externas variam somente com base na evolução do quantum embarcado. Os resultados podem ser verificados no gráfico abaixo: a dinâmica seria completamente diferente em comparação ao que, de fato, ocorreu. Nesse caso, o valor exportado alcaçaria US$ 243,7 bilhões, bem acima dos US$ 191,1 bilhões registrados ao longo do passado. A diferença, portanto, seria de US$ 52,6 bilhões, equivalente a 27,5% do conjunto de bens vendidos para outros países no ano passado.

Exportações brasileiras em US$ milhões
(Acumulado em 12 meses)

As projeções do Fundo Monetário Internacional para as commodities em 2016 apontam para nova nova retração: -20,7%. Em nível, o índice que procura medir um conjunto abrangente desse tipo de mercadoria encerrou 2015 no patamar mais baixo de 2004 e, caso as estimativas se confirmem, os preços serão os menores desde 2003.

É fundamental que as exportações não dependam somente do fator câmbio para avançar. Para tanto, deve-se promover uma abertura para o comércio exterior, através de acordos que sejam feitos, principalmente, com países relevantes. Trata-se de uma via fundamental e saudável para atenuar os impactos de crises do mercado interno, como a que estamos vivendo hoje.

terça-feira, 1 de março de 2016

Nunca antes na história desse país

A economia brasileira está vivendo o pior momento de sua história: nunca, ao longo de mais de um século, o PIB caiu de forma tão intensa por dois anos consecutivos. Caso o cenário continue deteriorando – e há elementos suficientes para crer na verossimilhança dessa hipótese –, deveremos alcançar outra marca histórica negativa: em nenhuma oportunidade, desde 1901, o nível de atividade registrou queda por três anos consecutivos.


A atual crise foi gerada pelo conjunto de políticas conhecido por “Nova Matriz Econômica”, posto em marcha pelo governo federal a partir da eclosão da crise financeira internacional de 2008 e intensificado entre 2011 e 2014. Esse período, que coincide com o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, apresentou dois traços peculiares: (1) concessão de vultuosos benefícios para setores específicos e (2) intervenção no mecanismo de preços, através do controle da inflação via preços monitorados, da taxa de câmbio com os programas de swaps cambiais, além da queda forçada nos juros. Todas essas medidas visavam estimular a economia, mas as falhas na sua concepção e na execução geraram profundos desarranjos.


Mais especificamente, no entanto, duas razões podem ser apontadas como as causas principais da depressão econômica que atinge o Brasil, iniciada ainda em meados de 2014. Em primeiro lugar está o desequilíbrio fiscal, uma vez que a capacidade de geração de poupança (superávit primário) diminuiu substancialmente ao longo de Dilma I, a despeito da utilização de criativos mecanismos contábeis. Aproveitando-se do período de forte crescimento registrado entre 2003 e 2010, o governo contratou despesas permanentes através de receitas temporárias. Quando o PIB deixou de avançar, os resultados fiscais se tornaram insustentáveis diante da estrutura e da rigidez do estado brasileiro. Consequentemente, a partir do agravamento da crise, perdeu-se qualquer margem de manobra para estimular a economia.


Em segundo lugar, deve-se citar os desdobramentos da Operação Lava-Jato, que levam a um comportamento de espera por parte dos agentes econômicos diante do clima de incerteza. Nesse cenário, empresários postergam investimentos, famílias deixam de consumir e os bancos são mais seletivos no processo de concessão de crédito, gerando um círculo vicioso.


As perspectivas com relação ao futuro são ainda mais sombrias. Os resultados dos indicadores que tentam antecipar mudanças no ciclo econômico sinalizam que não há qualquer perspectiva de melhora nos próximos meses. A maior parte dos índices de confiança (independente do setor analisado) está nos níveis mais baixos já registrados, enquanto o desemprego deverá continuar aumentando, na medida em que os efeitos do seguro-desemprego e dos programas de proteção ao emprego e layoffs se esgotam. 

Por questões ideológicas, o governo não irá capitanear uma reforma do estado para cortar as despesas que pesam sobre o orçamento. Ainda que assim desejasse, não conta com popularidade e o apoio do Congresso Nacional para dar andamento na reestruturação das receitas e dos gastos. Por sua vez, a Operação Lava-Jato parece estar longe do fim, uma vez que as delações premiadas acabam levando a novas devassas. É necessário mencionar também que o escopo ainda está restrito à Petrobras e outras instituições públicas deverão ser investigadas, como os bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES) e os fundos de pensão (como o Postalis, dos Correios, além do Funcef e Petros). Em suma, não há vetores dentro do horizonte relevante que permitam a retomada do crescimento.